sexta-feira, 15 de setembro de 2017

IDEOLOGIA DA BLINDADA OSTRA



Perdi-me em fugas pouco planejadas
E, em ostra blindada,
Recostei minha cabeça.

Medo de quedas não prenunciadas,
De inquebrantáveis farpas,
De afetos felizes.

Para não fazer tour no Gólgota,
Para não festejar em Auschwitz,
Nem dançar com ilegítimos governos,
Imergi na ostra que, blindada,
Mastiga-me carnes e ossos
Enquanto idealizo gestos que não sei concretizar.

Émerson Cardoso
28/07/17



NO DESERTO (ou prece a São Francisco)



quarta-feira, 10 de maio de 2017

CEM ANOS DE ALEGRIA


Teço tranquilo manto
Com a ponta das pedras que me fustigam.
Canivetes resplandecentes
Transformo em adorno para meu pescoço.
Em meus olhos, quando nublados,
Espreito premonições sempre vindouras.  
Da pústula ganha na caminhada,
Pressinto sinceros sorrisos – e paz.
Se existe prego fincado à força,
Estanco o sangue na altivez da face.
Se irrompe corda a perfurar o fôlego,
Determino vida na rispidez do algoz.
Quando nasce rara e fugidia lágrima,
Crio piscina festiva e nela procuro o céu.
A dor, infame claustro e algoz insone,
Não tem chave capaz de me prender,
Não tem poder sobre meus ossos,
Não rirá de mim, porque costurei sua boca
Com a alegria intrépida que não sabe me abandonar.

Émerson Cardoso

10/05/17

DAS PÚSTULAS DO AMOR (ou do que não existe e fere)

Amor, traga a mortalha que me acariciará a pele.
É já momento para que eu me dispa de mim
E triturado seja por teus dentes de marfim e ácido.
Teus estreitos dedos, amor, perfurarão meus olhos,
Mas, na jornada entre a esperança e o túmulo,
Carregarei perfurações de sal e abnegação de urtiga,
Com punho erguido e respiração possível.

Amor, dos vermes que me espreitam a carne,
Compreensão-que-busco-sem-sucesso-sempre,
Tu és, certamente, o mais benéfico:
Em ti repouso à espera de putrefação e caos.

(Émerson Cardoso - 07/05/2017 - 09h28min)



domingo, 5 de março de 2017

MOTE PARA UM MARTELO

Estrofes criadas a partir de um desafio proposto pelo escritor e professor Arturo Gouveia. Ele propôs o mote e eu tentei escrever algo.




SEM TALENTO NENHUM PARA IMPROVISO, 
PELO MENOS ESCREVO MEU MARTELO

Certamente careço de talento
Decassílabo pode ser cruel.
Sobretudo ao pelejar com tropel
De poetas com versos opulentos...
O cearense, porém, é impingento.
Silencioso não é nem um farelo, 
Vocação nunca teve pra Carmelo, 
Prepondera sua fama de ser liso: 
Sem talento nenhum para improviso, 
Pelo menos escrevo meu martelo. 

Competir me mete medo profundo, 
Mas cearense não foge do combate. 
Resistente, ele nunca se abate,
Devagar ele vai traçando o mundo.
Se entristece, alegre está num segundo, 
Escrever não vai ser nenhum flagelo. 
Apesar de não ser bem o que anelo, 
Pois queria mesmo o verso mais preciso: 
Sem talento nenhum para improviso, 
Pelo menos escrevo meu martelo. 

(Émerson Cardoso – 14/01/16)

quarta-feira, 1 de março de 2017

INVOCAÇÃO À ARTEMISIA

"Jael e Sísara" (1620), de Artemisia Gentileschi


INVOCAÇÃO À ARTEMISIA

Artemisia Gentileschi,
Empresta-me tuas espadas.
Dá-me as armas que almejo:
Cravos, martelos, punhais,
Todas as cores em lâminas...

Artemisia Gentileschi,
Quero das cinzas de hoje
As cores e seus fantasmas.
Colhi, na queda de hoje,
Pungentes pedras e abismo.

O que ocorreu, Artemisia? 
Mil palavras proferidas,
Cem mil tons para um grito:
Cada sílaba mil pregos,
Cada nota mil mordidas!

(Émerson Cardoso)

01/03/2017