quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

ODE PARA O VIOLINO QUE NÃO SEI TOCAR


Há coisas para as quais nasci
Não para ti, violino,
Não nasci para ti, 
Nem para mim nasceste.

Apenas verto anseios direcionados
Aos que roubam de ti dores melódicas.

Desço aos lastros da contemplação
E deslizo em ti com perfurantes olhos.

Solitário, rasgo cortinas mórbidas
O tempo entre o não te ter e o desejar.

Tuas singelezas despem minha veste cinza
E imerso em trevas ouço tua voz ao longe.

Longínqua voz e invasivo som
Sussurras sombrio dançando no vento.

Tuas carícias me invadem os sentidos 
E desço serpenteante ao chão sem pouso.  

Maledicente abres em mim ferinas fráguas,
Porque és sádico.

Quem dera fosses de minha alma a fuga.
Quem dera amasses de minhas mãos o gesto.

Ó, violino, quem está mais triste
Tuas plangentes cordas ou meu devassado olhar?


Émerson Cardoso
12/02/15

POEMAS VERTIDOS DO AZUL DOS OLHOS (ou: como se publicação fosse fácil no Brasil!)

Para Ana Luiza Crispim
Descem poemas límpidos
Do azul dos olhos desta menina
Eles desejam repousar em páginas de algum livro...

Correm imagens de grandeza frágil
E cores translúcidas que agridem o espelho
Dos olhos dessa poetisa que silencia aos gritos...

Vocábulos despidos (empregados com destreza)
Movidos pelo talento conseguem entrar em versos
Cuja grandeza tornou-se dizer-muito-ao-dizer-em-pouco...

Sons de sinos que gritam à tarde,
Esses poemas querem em livros zombar de nós:
Publicai-os, sociocultura brasileira de incentivos poucos!

Descem poemas fúlgidos
Do azul dos olhos dessa menina
E resta-nos esperar deles o que é tangível

Porque a luz dos olhos dessa poetisa
Comporta muito do que é melhor e lírico
E deve em livro suas vivências finalmente materializar...

10/02/15









terça-feira, 2 de dezembro de 2014

POEMA SEM PRETENSÕES (Ou: nada-de-nada-de-nada)

Hoje me vi
Sentado numa calçada 
Lendo em voz alta
Poemas de García Lorca.

Manhã de sábado
À sombra de um jambeiro
Entrecortado pelas imagens 
De carros e árvores.

Sentado no paralelepípedo 
De uma calçada anônima
Sozinho na capital da Paraíba
Me deixei ficar.

Mochila ao lado,
Óculos corrigindo a vista...

Um lastro de felicidade me sorriu 
Na manhã que me devassava.

Então ser feliz é isto?
Ser aluno abandonado 
À espera de transporte,
Após aula de francês,
Tendo García Lorca em mãos?

Como a compensar dores não cicatrizadas, 
Veio o ônibus e me levou obediente
Para o contorno de vida que criei.  

30/11/14




sexta-feira, 21 de novembro de 2014

OBSCURECIMENTOS VESPERTINOS

Agora, como quem ri para dentro,
Meu rosto pesa tristeza e sombra
Sem que seja possível retardar dissabores.

E cada vez mais tenho silêncios
Que mastigo quebrando os dentes
Como quem precisa disso para sentir que vive. 




domingo, 16 de novembro de 2014

INTROSPECTOS DOMINICAIS

Às vezes, quero a palavra
Sem, de fato, querer encontrá-la,
Porque melhor é viver em busca.

Agora, quero a palavra
Que exprima a saudade do que não houve
E o desejo do que não sei - e quero.

Sempre me vejo à espreita da palavra
E, enquanto isso, os dias comem silêncios
Para expelirem gritos na expressão mais necessária.




sexta-feira, 7 de novembro de 2014

ODE À CORAGEM (SOU NEGRO, SIM! SIM, NEGRO SOU!)



Sou negro, sim! 
Sim, negro sou!
Noturna pele
De vida-mor.

E não me venha
Dizer que não,
Quando eu quiser
Reivindicar.

E não me venha
Dizer que não, 
Quando eu disser
Que vou lutar.

Resguardo o grito 
Que me assegura,
Não tenho medo 
De vis prisões.

Eu piso e quebro
Qualquer desonra,
Não tenho medo
De seus grilhões.

Eu me erguerei
Em cada queda,
Buscando força
E destemor. 

Sou negro, sim! 
Sim, negro soul:
Noturna pele
De vida-mor.

(Émerson Cardoso)
07/11/014






segunda-feira, 27 de outubro de 2014

LÂMINAS NACIONAIS


O que dizer agora?

Talvez seja, não sei,
A sensação de que dá medo
Pisar o solo de uma pátria
Que estende tapete de ódio
Tendo como álibi contexto político.

Talvez seja, deve ser,
Porque lamento dizer-me parte de uma nação
Que me força reflexos de espelhos e hostilidades.

São ineficazes minhas palavras,
Não conseguirei expressar o que me invade:
É como ver os próprios olhos deslizando em rios de lama
E ser afetado por lâminas que reacendem antigas fráguas.


27/10/14




sexta-feira, 17 de outubro de 2014

QUANDO UMA MÃE DOA UM FILHO (ou história triste de um mês de julho pobre)

Diz a memória que era linda a menina
Menina de cabelos negros e pele clarinha
Colocaram-na sobre a cama dos patrões da mãe
(Da pobre mãe da menina há pouco nascida)

Diz a memória que um primeiro de julho era
De ano funesto como espinho que aos poucos fura
Esta mãe, sem nada e sem ninguém que por ela punisse,
Instigada pela mulher do patrão disse: sim...

Sim, que família distante me venha roubar a filha,
Porque no mundo uma mãe criar um filho não pode
(Mas na hora da partida pediu, com os olhos:
Deixem-na comigo um-pouco-mais-para-sempre)

Não consentiram (a menina em nova manta se foi)
A mãe, com o vazio choroso nos braços,
Viu crescer uma ausência de faca pontiaguda
Que rasgou olhos, braços, coração...

Diz a memória que linda era a menina
E que a mãe não sabia que a ausência de um filho
Poderia pesar, por toda vida, infindas toneladas
A cada sim que a lembrança desejava transformar em não...



(Ao som de Duerme negrito, na voz de Mercedes Sosa)

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

PEDIDO À DEUSA ÁRTEMIS (ou hino dos assexuais)


Ártemis, expulsemos Afrodite:
Atiremo-la fora com fervores! 
Ó deusa revestida de pudores,
Despeça-a, renegue-a, nunca hesite,

Ártemis, humilhe-a e a impossibilite 
De propagar as urgências de amores
Que perpassam humanos com ardores:
Que ela, ao amor, a ninguém mais incite!

Ártemis, dos castos deusa, combata
As façanhas maldosas de Afrodite:
Proteja seus devotados mortais!

Seja contra Afrodite, e não cordata,
Pois esta vil, Ártemis, acredite
Destrói frágeis almas com seus punhais... 

Émerson Cardoso
26/09/14
17h 30min


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

DAS PROEZAS DE SETEMBRO

Setembro riu de mim com seu olhar ferino
Deslizou ousado na ponta dos meus dedos

Construiu silêncios em minha boca austera
Vestiu de ventanias meus passos em busca de

Quase me fez cair no precipício de improvável paz
Antes, serpenteou sorrindo, como sempre, e riu de mim

Setembro sempre procura subterfúgios para mostrar
Que respira cinzas de um incêndio que em mim se deu

E, no sertão, calor e sol - flores morreram
Porque maio se foi saudoso e triste sem despedida

Agora, por alguns dias, esperarei setembro sumir
E quem sabe minhas mãos sejam reabastecidas

Quero novos rumos, novas ideias, novas cores
Setembro precisa trazer outubro e fugir para sempre!

24/09/14


terça-feira, 15 de julho de 2014

IMAGENS

Roupas nos varais acenam,
Pedras, vento, solidão

Cenários austeros passam
Sem qualquer coloração

Choram que choram os seixos
Sentindo-se repisados

Na estrada altivo um cruzeiro
Verte sombra desolado

Olha-me o cinza vestido
Da moça de mãos tristonhas

De semblante ressentido
Por ter vida tão medonha

Para trás fica o cenário
Com sua gente desolada

Um bendito devotado
Guia o caminhão na estrada

Choram que choram as horas
Deslizando pelo caminho

Tendo ao lado tanta gente
Por que me sinto sozinho?

Choro com as horas choro
Sentindo-me triste e só

Cada passo um grito novo
Solidão que ri sem dó...



DECEPÇÃO

Algumas pessoas decidem por si
Tantas dores para os outros...

Trôpegos como bêbados
Trazem em si discernimento algum

Decidem pela iminente tragédia
(Hamartia anunciada pelos conselhos muitos)...

Falta espaço para a racionalidade, 
Ou de ingenuidade se firma o caráter?

Pobreza de espírito, 
Ou imaturidade que desliza em rios de ilusão?

Triste de quem não sabe ser gratidão
Aos que deram mão e abrigo e vida...

Mas, neste mundo que gira, 
Muito arrependimento pode personificar-se...

E tarde-demais poderá ser um longo grito
Que banha de arrependimento os que decidem sem reflexão:

Ilusão!
Ilusão!

19/07/14

ODE INCONFORMADA PARA JUAZEIRO DO NORTE



Ó cidade dos romeiros
Que à mercê da própria sorte
Debulha preces sentidas:
Quem te dará proteção
Contra facínoras, crápulas,
Que te roubam vorazmente
Eleição pós eleição?

Ó cidade atormentada
Pela falta de respeito
De monstruosos políticos:
Quem brigará por tuas lutas
Quem te dará novos homens
Que resguardem teus valores
E que tenham gestos dignos?

Ó cidade inconformada
De trânsito insuportável
E precária infraestrutura:
Quem te vê que não deseja
Novos rumos, novas eras,
Renovação dos teus bairros,
A segurança nas ruas?

Ó cidade sobranceira
De nordestinas sapiências
E de imponente memória:
Quem salvará do abandono
Teus recantos e riquezas?
Esqueceram-se de ti
Desprezaram tua história...


Queria limpar-te as feridas
Lavar teus olhos chorosos
Verter abraços queria
Sobre ti, cidade minha!

Queria salvar-te, Juazeiro,
Dar-te futuro honroso
Abrir-te as mãos com preclaras
Aconchegar-te em meu peito...

Ó cidade resistente,
Tenho pouco para dar-te:
Meus versos inconformados
São um presente simplório...

Mas os entrego, saudoso,
E espero ver-te, quem sabe,
Assistida e refulgente
A vestir novas roupagens!

(Émerson Cardoso)
15/07/14





 



quarta-feira, 25 de junho de 2014

ODE À ANA LUIZA CRISPIM


Quando acordei,
Sobre mim caiu um verso:
Papel corado que o vento abraça...

Brincando séria de fazer poema
Imagens dançam sob criativa marcha
Palavras nascem, crescem, reproduzem-se...

Vidrinhos frágeis contra pontiagudas pedras,
Facas que lambem dos olhos o branco, 
Colorido ácido que a pele fere com perfurantes dentes:

Eis a poesia - da que séria brinca.
Resguardados estão, seus versos, em coerentes muros:  
Força-frágil, janela-que-frestas-abre, significativas palavras... 

Agora, resta absorver o que virá
Da alma sobressalente da poetisa:
Leveza e cor, café à tarde, ironia e sombra? 

Poemas podem ser cortantes, 
Mas cicatrizantes também quando sussurram
Fugindo loucos do senso comum que nos espreita...

Tu és, merece que se diga: 
(Além da inteligência explicitada)
Uma sóbria, densa e exímia poetisa.

(Émerson Cardoso)
25/06/14






domingo, 22 de junho de 2014

HAIKAI DE UM DIA TRISTE

Quando se está triste
E o silêncio repercute
A janela nos convida...

AUSÊNCIA

Quando os olhos ardem na ausência dos que estimamos
O silêncio se impõe como brasa que atinge os lábios
Gritar como, se dói a ferida da boca?


terça-feira, 6 de maio de 2014

...

HAIKAI PARA MINHAS INDECISÕES

Cachorro correndo louco
Que alcança o que caça
E não sabe o que fazer

(Émerson Cardoso)
23/05/14

FOTOGRAFIA

Foto: Erika Dias

Somos vítimas de irrepetíveis cenas.
Fotografar torna-se, portanto, uma tentativa
De resguardar, da cena,
Um pouco do nós que já não somos.

Tão intrigante é a fotografia
Que me arrisco a dizer:
Sua imagem estática é o medo do não-mais
Que nós temos pavor de vislumbrar.

Congelados os momentos,
Resta-nos a ilusão de revivê-los.
Num olhar sempre nostálgico
Desejamos, insubmissos, revisitá-los.

Mas a fotografia,
Tragédia e sombra,
Ri de nós que a contemplamos.

Tão densa é que sequer nos esforçamos
Para entender dela suas implicações.

Tenho medo do que ela pode ocultar:
Silêncio e grito ou saudade e dor

Nunca felicidade dela tiraremos:
Fotografia é sempre o-não-mais que ri de nós...

(Émerson Cardoso)

terça-feira, 8 de abril de 2014

À ESPERA DE UM TRANSPORTE...

No mar de asfalto minha pele
Arde sob um sol de mil lâminas
Aguardo, arfante, 
O navio enumerado que me transportará...

Trabalhadores desolados,
Estudantes resistentes,
Turistas iludidos,
Quanto horror perante os céus!

Que o meu navio não demore
Não demore - peço a Deus
Acometem-me fome e neuroses de guerra
Quero um abrigo, meu Deus, meu Deus!

12/ 04/14

MOTIVO?

Por algum motivo
(Foi o sol que se pôs cedo demais,
Ou a terra que decidiu não cessar seu giro renitente?)

Por algum motivo
(Foi a palavra silenciada que emitiu seu pior grito,
Ou o medo que se materializou quando a covardia parecia fenecida?)

Por algum motivo
(Certo estou de que houve
Sim, motivo houve!)

Mas que motivo?
E o sussurro de um soturno vento
Despiu meus olhos com seus gélidos dedos:

E nada mais restou
Senão a certeza de que um motivo se fez carne  
E habitou, desnecessário, no que poderia ter sido, mas não foi.

(Émerson Cardoso)
11/07/14

MUDANÇA

Minhas almofadas, inconsoláveis,
Chorosas e empoeiradas
Perderam as cores
Foram-se hoje com a pressa
De uma mão que acena adeus...

Alguns dos meus livros ficaram macambúzios
Recebendo, de mim, a libertação numa caixa
Meus porta-retratos, adornos, vasos
Libertaram-se de meus apegos
Deram-me adeus até os quadros...

Minha geladeira silenciou
Com asperezas de neve
E, com olhos inconformados,
Foi, suspensa no ar,
Tirada de mim...

Meus vasilhames de verdes cores,
Alumínios e demais utensílios foram-se.
Meu armário, sem aceitar, partiu
Com um vaso de flores empoeiradas
E traças que em suas gavetas ocultaram-se...

Meu fogão ensimesmou-se,
Meus livros entrincheiraram-se no rancor,
Meu som calou-se entristecido,
Meus adereços da estante aturdidos ficaram:
Tudo foi corrompido por um inevitável adeus...

Meus quadros divorciaram-se das paredes,
Imergiram em caixas, com rancor, meus filmes,
Minha mesa, com suas cadeiras, revoltaram-se,
Minha poltrona e cama e tapetes furiosos
Deram-me as costas para não se despedirem...

Limpei minha casa - calado eu e ela calada
Atirei contra mim mesmo suas portas
E fechei-a altivo, mas não menos quebrantado
Até que minha idosa vizinha achou por bem
Abraçar-me com palavras de Deus-o-acompanhe...

07/04/14

sexta-feira, 14 de março de 2014

ODE À MORADORA DA CASA DO ABANDONO


Quando à casa do abandono eu retornava,
A morte havia encarcerado, às vezes, os que eu tornara amigos...

Não aconteceu assim contigo,
Não foi assim...

Diferente dos que fugiam da casa pela morte agrilhoados,
Tu a batalha venceste: um irmão distante decidiu buscar-te!

Quando te procurei na casa do abandono,
Vesti-me de uma alegria consumida em dor:

Menininha de riso fácil,
Pregaste uma peça na morte e em mim!

Tarde de maio amarelecido nas mãos,
Veste branca para te agradar,
E deram-me a notícia de que tinhas ido...

Eu sequer pude me despedir:
Nada de marejados e fundos e tristes e perdidos olhos!
Tu foste esperta e corajosa e desprezaste - com razão -
A casa do abandono...

A notícia me deixou perplexo porque sei que não vou mais te ver,
Porém a certeza tenho de que um amparo finalmente te foi servido...

Eu, alegre-triste, não me esquecerei
De que houve, numa casa propícia a desamparos,
Ser humano leve e de fragílimo corpo que dizia: "Eu sou dos astros!"

Talvez noutras vidas, noutros planos
Nós nos encontraremos e o desencontro que nos flagrou
Seja de todo, por nós, abandonado!

Tatearei, um dia, teu chapéu ornado com flores plásticas
E ouvirei novamente, assim espero, teu riso contido
De menina flagrada fazendo danação...


Émerson Cardoso
20/05/2013
(À D. Zefinha: EX-moradora do Abrigo da Mãe das Dores)





















domingo, 9 de março de 2014

EM BUSCA DE DEUS

Deus, busquei a ti por entre paisagens,
Busquei a ti em religiões e crenças...
Na beleza a ti busquei com voragem,
Em todo o mundo busquei-te a presença...

Corri louco por entre sombras densas,
Lutei para encontrar em mim coragem...
A selvageria de dores intensas
Gravaram em mim tristonhas imagens...

Deus, onde estás? Onde te encontrarei?
Teus amáveis olhos, quem me dará?
Não te encontro... Tua distância me dói...

Deus, onde estás? A quem recorrerei
Quando a força de viver acabar?
A tua ausência, ó Deus, me corrói!

Émerson Cardoso
10/05/11


sábado, 8 de março de 2014

SONETO SOBRE DAMAS DOLOROSAS

Para Edivania F. da Silva
Frida Kahlo, dolorida, sorriu
À Florbela Espanca que, pesarosa,
Desfolhou em silêncio uma rosa
Em mesa sombria que a noite vestiu...

A alegria de ambas a dor consumiu:
Olhavam-se cúmplices, lastimosas,
Traziam nos olhos flores dolorosas
Nascidas em jardim que não floriu...

Deram-se as mãos sobre a mesa dramática
Tragédias compartilhadas nos dedos
Tênues como esperanças da vida...

Almas vazias, perdidas, sorumbáticas,
Florbela se ergueu fugindo dos medos, 
E beijou, arfante, a boca de Frida.

Émerson Cardoso
09/07/11
Florbela Espanca
Frida Kahlo






segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

MINHA (NÃO) COR PREFERIDA É CINZA (ou soneto para um dia de suposta nublação)

Eu sinto, sobre mim, o céu descer
Toco o cinza das nuvens com furor...
Olho em volta e, para sobreviver,
Baixo os olhos coberto de horror...

Nada tenho que diga em meu favor
 A vida foi o ofício de sofrer
Experimentei, da crueldade, a dor
Só desamparo e tédio pude ver...

 O cinza nem de ser cor teve a sorte
É meio termo entre ser preto e ser branco
Mas significa muito para mim:

O cinza prenuncia a dor da morte
E denuncia um diagnóstico franco:
A bipolaridade sou. Sou sim!


Émerson Cardoso
30/04/11


SONETO PARA QUEM MELHOR ENXERGA (porque vê com os olhos da poesia)


Se meu porvir for uma noite escura
Se nas sombras os meus dias se quedarem
Se meus pés aos abismos se inclinarem
Nada me será Dor ou desventura...

Se minha vida for só Amargura
Se as cores meus olhos não mais fitarem
Se nunca mais o mundo contemplarem
Não me guiarei por sendas de loucura...


Não! Terei comigo a luz mais fulgente:
Desfarei a escuridão sempre em versos,
Serei a Esperança em nova alegria!

Quero, por meio de Palavras pungentes,
Meu Ser derramar de modos diversos
E andar guiada pelas mãos da Poesia!


Émerson cardoso
(Para Siddha Abraxas, em 12/04/12)




ESPECULAÇÕES SOBRE A AMIZADE


Uma verdade expurgada seja:
Como seria a vida
Sem contemporâneos de abertos braços
À amizade afeitos?

Mediocridade, egoísmo, entraves,
Gestos facínoras típicos do homem?
A amizade não...

Quando existente,
Sequer suscita mesquinharias.
Murmúrios de sol em madrugada alta,
A amizade boceja sempre perdão...

Quem se entrincheira em si mesmo,
Ou deforma-se no egoísmo desmesurado,
A amizade não...

Quando, de fato,
Sequer conhece da inveja a maldição.
Giros de claridade em cômodos obscuros da alma,
A amizade na covardia não ergue morada...

Infidelidade, soberba, intolerância,
Devastações advindas de imaturas bocas?
A amizade não...

Quando desvelada,
Sequer murmura incompreensões.
Olhares cúmplices de riso em funestos âmbitos,
A amizade torna possível a existência de quem vivo é.

Mas é necessário reconhecer
Quão rara é a amizade em nossa vida,
Pois que deve ser sufrágio explícito
Contra dissabores e desamparos...

Desconfiança, silêncio e solidão?
A amizade não!
Émerson Cardoso
22/02/14

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ESPECULAÇÕES AMOROSAS SOBRE A POESIA...

Poesia, Senhor João Cabral,
Se pedra é
A minha é pontiaguda
E eu a atiro contra mim mesmo:
Corre sempre sangue e água em meus estios...

Poesia, Senhor Manuel Bandeira,
Tem parte com a memória e seus cotidianos
E perde-se na palavra que nunca é completa.
Assomo prático de enlutada vida,
A poesia, se dor traduz,
Faz-se açúcar no amargor do tempo que se vai...

Poesia, Senhor Augusto dos Anjos,
É saliva homicida que prolifera
As larvas que vivem à espreita do meu corpo.
Das sombras emerge a poesia
E seus luzimentos são espargidos sobre mim
Como venéfica serpente que a tudo engole.

Poesia, Senhora Cecília Meireles,
É a face obscura do fugidio tempo
Que enruga a face e devasta o corpo.
Na efêmera existência, a poesia
Dança melancólica e abraça toda a essência
De que o ser é dotado para vesti-lo de liberdade...

Poesia, Senhora Hilda Hilst,
É o despudorado olhar
De um cavalo em galope silencioso.
Nudez na boca ante proferida palavra,
Rompantes e dores do amor em adeus,
A poesia de libertinagens faz seus vestidos...

Poesia, Senhora Florbela Espanca,
É a presençausência de um alguém
Que sequer poderia ter existido,
Mas que sempre nos vem.
Tragédia na ponta dos dedos,
A poesia toma proporções de eterno desamparo...

Poesia, Senhor Agostinho Neto,
É um grilhão quebrado pelo grito de insatisfação.
Cada palavra uma bandeira erguida
Manchada ou não pelo sangue negro
Dos meus antepassados de sedentos olhos
E erguidos braços em resistência sempre...

Poesia, Senhor García Lorca,
Tem a consistência de botas pisando
Contra a humanidade dos homens.
Traz seus mistérios ciganos,
Revolve na campa a solidão dos amantes
E voa - borboleta frágil de fendidas asas ...

Poesia, Senhora Sylvia Plath,
É um dente que dói em constantes fisgadas,
Rasga o olho em cortante machado
E perfura o peito em preterimentos sem fim.
A poesia corta pulso, quebra sonhos,
Tritura almas e perfura a vida que se despede com razão...

Poesia, Ó Poetas que eu escolhi,
É a minha ousadia que agora expele,
Por meio de um poema frágil,
Sensações que precisam ser reveladas.
Poesia é, bem sabemos,
O silêncio barulhento que irrompe
E nos preenche deslibertadamente
Como se não pudéssemos ser livres
Do cárcere que ela nos impõe...

Poetas, eu sei
Eu sei o que é poesia:
É a angústia hiperbólica,
A mortandade não sombria,
A percepção melancólica,
A noite que engole o dia,
A sensação eufórica,
A dor no auge da alegria,
A necessidade simbólica
De compartilhar a vida!

Eu sei - que pretensão! - o que é poesia:
E nela me encontro
E sem ela o que eu seria?


Émerson Cardoso 
 (20/02/07 - 05/02/14)




RECEITA DE HUMANIDADE PARA ARROGANTES



Tenha em mãos o corpo de algum ser humano.
(Morto, de preferência!)
Assegure-se de que este esteja despido
E não higienizado.

Coloque-o sobre uma mobília
(A mobília deve ser recoberta com limpo lençol)
E em destaque em espaço contíguo.

Sente-se e espere, por alguns dias:
Importante não espantar as moscas que sobre ele bailarem.

Quando perceber um odor putrefato no ar,
Quando assomar inevitável decomposição,
Passeie, sobre o líquido podre, sua mão.
Leve-a generosamente às narinas
E sorva o irrevitalizável odor
Sem pudor, náusea ou receio.

Se larvas começarem a irromper,
Tome as larvas nos dedos e quebre-as nos dentes.

Ao perceber necessidades de sepultamento,
Despeje os restos mortais em esquife não untado
E livre-se, sem velório, deles o quanto antes...

No mais:
Leve sempre a decomposição nos olhos,
A putrefação por toda vida resguarde em suas narinas,
Nas mãos, sinta a liquidez da carne finda,
Relembre infinitas vezes o abismo que o esquife preencheu...

Pronto: a receita de humanidade para arrogantes se deu!

E guarde consigo sempre
(E confesse sobre os telhados)
A certeza profética de que dispõe:
De ser um ser humano, nesta vida, 
Com direito à decomposição,
Sequer os arrogantes se livrarão!



Émerson Cardoso
28-31/01/14

CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Receita de humanidade para arrogantes. Revista Satírika, n. 14, p. 15 - 16, ago. 2017. 

domingo, 5 de janeiro de 2014

POEMA DO QUE É TALVEZ


Talvez seja isto:
Touro acossado de gêmeos cornos
Que veste em si o pior em medos,
Que sente da lua a saudade do sol,
Que no grito guardado explode em tácitos anseios...

Que de Vênus tem medo
E de Marte inveja o furor...

Pobre Touro de corpo alquebrado,
Que na casa da infância guardou desesperos
E nas portas da ausência soube descansar...

Touro despido de olhar sempre triste,
Que vislumbra harmonia e encontra abismos 
E também nuvens cinzas que o querem embalar...

Talvez seja isto:
Terra, não-Fogo, não-Água, Ar
E as fugas que Andrômeda sempre espreita...

E a teimosia revestiu-o de honras!

Émerson Cardoso
(26/12/13)