quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

QUE ME DIT LE VENT


Tenho sentido
Que está passando:
Carrega unhas
Devasta dedos
Decepa mãos...

Indiferente,
Destrói espelhos
Desfolha livros
Dissipa luzes
Oferta noites...

Medonha sombra
Que passa sempre,
O tempo impera:
Ferida aberta
Banhada em sal.

Émerson Cardoso
28/12/16

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

TRAVESSIA (OU ODE PARA TORTUOSO CAMINHO)


Caminho de longos dentes,
Desejas roer meus passos?
Almejas moer meus pés,
Anseias que eu fira as pernas?

Queres qu’eu fique cansado?
Planejas a minha queda?
Projetas abismo e dor?

Cada pedra que me impede
Aprofunda a pretensão
De chegar ao meu destino.

Sinto apenas que não sei
Se limpo os sapatos sujos,
Ou se prossigo descalço.

Enquanto isso, passeio
Com passos sempre apressados
E punhais no coração.


Émerson Cardoso
27/12/2016


domingo, 27 de novembro de 2016

ODE PARA CHUVA SEM CAVALO


Cavalo que tirei da chuva,
Mastigarei resignação
E engolirei dor e distâncias.

Todas as nuvens choramingam
Enquanto o sol resseca o lábio
E xilograva ocaso e vento.

Enquanto a solidão ressona
Amortalhada ao meu redor,
O estio perfura minhas mãos.

Cavalo tirado da chuva,
Por sendas amargas irei
Furando facas com os olhos.

Émerson Cardoso

27/11/2016

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

DOGVILLE (minha versão)

"O Povo", de Eduardo Marinho 


Alicerce, portas, paredes não-mais.

Homens prosseguem abrindo úlceras.
Mulheres revolvem peles com dedos apodrecidos.
Cacos de vidros raspam ossos.

Intransigentes pregos martelados nas unhas.
O baixar dos olhos em cada cuspida. 
Desfile fraterno em tapete de hostilidades.

Sangue e água na refeição dos homens.  

Silêncio apenas – porque guardado o grito.
Qualquer nota exibiria
Meu desejo de engolir músculos cardíacos. 

No chão, meus pés vazios trazem dentes afiados.
Émerson Cardoso
24/09/2016




UMA (NÃO) PRECE À LUA


Lua de mortalha aberta em riso amargo,
Que esperas de mim:
Que eu te implore do amor cruentas fráguas
E humilde aceite o sepulcro aceso que me queres dar?
Escorpiões me espreitam em tuas sendas, Lua,
Mas pele não tenho para urticante agrado.
Quero silêncio em meus pés compungidos
E solidão em meus cadentes olhos...

Amor? Não, Lua, não creio, não devo, não careço!
Perfurado, o peito aspira pouco
E por estar sozinho não perderei a paz!

Émerson Cardoso
07/11/16



sábado, 15 de outubro de 2016

PERFIL VIRTUAL DA MOÇA QUE DESAPAIXONOU (ou ode à desistência mais-que-necessária)

Epístolas whatsAppianas
Notas espargidas inbox
E-mails infindos a resvalar soturnos
Torpedos exaustivos a desejar encontros...

Não mais, paixão-nascida,
Não mais, porque não posso
Existir em nome do que não-é!

Excluí seu número
Apaguei suas selfies
Desfiz no face nossa abstrata relação...

E o sistema solar, pasme, não se deslocou:
A gravidade ainda alinha planetas e seus satélites!

O que deixou de ser, paixão-profunda,
Foi a necessidade de concretização que eu fantasiava.
Racionalizei o que sentia e,
Tão certo quanto o que é virtual nos cansa,
Deixei de verificar mensagens com suas autocorreções infames.

Não mais, virtual-cavalheiro!
Não mais, porque mulher precisa de amor que exista
E qualquer pessoa cansa do que não é concreto!

15/10/2016

ODE PARA O QUE NÃO É ABRIGO

Quando o tempo tritura meus olhos sem força,
tenho medo...

Mas quem tem medo olha a si mesmo em poças de chuva
para constatar fugacidades nos cílios?

O tempo sepulta existências em tirânicas datas,
tentando me amedrontar...

Ele me atinge (dos-covardes-sou-a-maior-vítima!)
e sabe rir dos frágeis com desdém e fel!

Quem tem medo olha a si mesmo em palavra estreita
que se pretende poema e nada mais é do que susto?

O tempo olhou-me com seu cinismo,
O medo embalou-me com sua morbidez
E eu os olhos baixei para fitar a mim mesmo no áspero do chão,
Que é abrigo para os que almejam um dia rebelar-se!

Émerson Cardoso

19/02/16

RÉQUIEM PARA LUZIA

Eita, Luzia, parece que foi ontem
Que apertamos as mãos em despedida!
Que feliz conhecê-la nesta vida,
Vida que tende a ser pouco amigável!

Tu foste um ser humano tão amável!
Tantas vezes agiste por bondade
Quando isto em alguém é raridade:
E foste abrigo, afeto e acolhimento!

Foi de Deus caro presente, Luzia,
Tê-la encontrado em venturoso dia
E poder contar com sua amizade...

Qualquer lágrima que corra por ti,
É lembrança de que a vejo sorrir
Em minha mente plena de saudade!

Émerson Cardoso
13/06/16

quinta-feira, 2 de junho de 2016

LAMENTO SECULAR (ou revolta da mosca insana a quem Antoine Roquentin ofertou mortalha)

Antoine Roquentin,
Não fustigues o corpo
De existência perecível
Que me deram por herança!

Que direito tens
De me doares morte
Se o preço a pagar
É inexistir somente?

Não quero mortalha,
Antoine, não quero morte.

Só quero a aleluia,
Some of these days you'll be sorry!

Émerson Cardoso
02/06/2016





(sagitário no espelho é ruim)


POR MINHA HAMARTIA, MINHA TÃO GRANDE HAMARTIA (ou: em tempo de cego, quem tem boca ouça!)

Perdidas palavras percorreram minha boca.
Porcos profanaram pisadas pérolas.
Punhos hostis predisseram pancadas.
Espíritos impuros lançaram punhais.

Pedras despedacem meus olhos,
Perfurem meus pulsos,
Dispam minha língua,
Quando palavra inútil proferida for.

Quando serpente arfar, pobre, em podres paredes,
Opte, palavra minha, por não perder-se.
Não sepulte no oco o que pode silêncio ser,
Não há compreensão quando baixeza humana se faz manada.



Émerson Cardoso
09/05/2016

Poema selecionado para a Antologia da 6ª Mostra Abril para Leitura do Centro Cultural Bando do Nordeste - CCBNB - Cariri. 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

POEMA ENCOMIÁSTICO PARA SUSAN BOYLE


Quando cantaste, meu Deus,
Foi por todos nós que tu nasceste!

Tua grandeza foi espargida no mundo,
Quando cantaste...

Quando chegaste pequena, na imensidão do mundo,
Não esperavam que tivesses tanto...

Pregaste uma peça, 
E os que te julgavam arrependeram-se.

Reivindicaste, voz eólica de raros fulgores,
Teu espaço no universo carente de ti...

Sonho acordado viveste, 
Fizeste rir tua mãe e teu pai orgulhar-se. 

E agora, estrela fulgente, 
Que lembrada sejas para sempre...

Precisamos de ti para mostrar ao mundo
Que nós, os pequenos, temos muito a concretizar!

Émerson Cardoso
14/02/16


ODE AO QUE É NADA

Paisagem luzente
De verdor e paz
Distante convida
A deleites mil...

Ao aproximarmos
Nossos pés do verde:
Escorpiões correm,
Víboras rastejam...

O que era belo
Deixa de ser paz
E instiga distância
E fomenta angústias.

Émerson Cardoso
14/02/16

APOLOGIA AO DIA DE AMANHÃ

“Sempre que os ventos forem favoráveis / E houver um transporte disponível, não dorme;  / Quero ter notícias tuas".           
                                       (Shakespeare, em Hamlet)                                                                                                   
  

Hoje choveu tanta mágoa!
Pesadas nuvens caíram...
Amanhã cairão sorrisos
Sobre ti, amiga minha!

Ontem choveu tanta ausência!
Nuvens de prata irromperam...
Amanhã sorrisos amplos
Molharão tua face triste!

Amanhã, tenha esperança,
Verdes serão teus caminhos!
Teus olhos a refleti-los,
Farão poças de alegria!

Hoje a noite vem de dia
Em tuas pálpebras cansadas,
E sem luz está o aquário,
Mas o sol virá em breve!

Hoje choveu um temor
Deixando a vida sem graça,
Ontem foi noite sem sono,
Amanhã, porém, riremos!

Sobre ti, amiga minha,
A paz choverá indômita
E teus olhos se erguerão
Renovados para a luta!

[Émerson Cardoso]
23/01/2016