sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

RECEITA DE HUMANIDADE PARA ARROGANTES



Tenha em mãos o corpo de algum ser humano.
(Morto, de preferência!)
Assegure-se de que este esteja despido
E não higienizado.

Coloque-o sobre uma mobília
(A mobília deve ser recoberta com limpo lençol)
E em destaque em espaço contíguo.

Sente-se e espere, por alguns dias:
Importante não espantar as moscas que sobre ele bailarem.

Quando perceber um odor putrefato no ar,
Quando assomar inevitável decomposição,
Passeie, sobre o líquido podre, sua mão.
Leve-a generosamente às narinas
E sorva o irrevitalizável odor
Sem pudor, náusea ou receio.

Se larvas começarem a irromper,
Tome as larvas nos dedos e quebre-as nos dentes.

Ao perceber necessidades de sepultamento,
Despeje os restos mortais em esquife não untado
E livre-se, sem velório, deles o quanto antes...

No mais:
Leve sempre a decomposição nos olhos,
A putrefação por toda vida resguarde em suas narinas,
Nas mãos, sinta a liquidez da carne finda,
Relembre infinitas vezes o abismo que o esquife preencheu...

Pronto: a receita de humanidade para arrogantes se deu!

E guarde consigo sempre
(E confesse sobre os telhados)
A certeza profética de que dispõe:
De ser um ser humano, nesta vida, 
Com direito à decomposição,
Sequer os arrogantes se livrarão!



Émerson Cardoso
28-31/01/14

CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Receita de humanidade para arrogantes. Revista Satírika, n. 14, p. 15 - 16, ago. 2017. 

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