sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

ESPECULAÇÕES AMOROSAS SOBRE A POESIA...

Poesia, Senhor João Cabral,
Se pedra é
A minha é pontiaguda
E eu a atiro contra mim mesmo:
Corre sempre sangue e água em meus estios...

Poesia, Senhor Manuel Bandeira,
Tem parte com a memória e seus cotidianos
E perde-se na palavra que nunca é completa.
Assomo prático de enlutada vida,
A poesia, se dor traduz,
Faz-se açúcar no amargor do tempo que se vai...

Poesia, Senhor Augusto dos Anjos,
É saliva homicida que prolifera
As larvas que vivem à espreita do meu corpo.
Das sombras emerge a poesia
E seus luzimentos são espargidos sobre mim
Como venéfica serpente que a tudo engole.

Poesia, Senhora Cecília Meireles,
É a face obscura do fugidio tempo
Que enruga a face e devasta o corpo.
Na efêmera existência, a poesia
Dança melancólica e abraça toda a essência
De que o ser é dotado para vesti-lo de liberdade...

Poesia, Senhora Hilda Hilst,
É o despudorado olhar
De um cavalo em galope silencioso.
Nudez na boca ante proferida palavra,
Rompantes e dores do amor em adeus,
A poesia de libertinagens faz seus vestidos...

Poesia, Senhora Florbela Espanca,
É a presençausência de um alguém
Que sequer poderia ter existido,
Mas que sempre nos vem.
Tragédia na ponta dos dedos,
A poesia toma proporções de eterno desamparo...

Poesia, Senhor Agostinho Neto,
É um grilhão quebrado pelo grito de insatisfação.
Cada palavra uma bandeira erguida
Manchada ou não pelo sangue negro
Dos meus antepassados de sedentos olhos
E erguidos braços em resistência sempre...

Poesia, Senhor García Lorca,
Tem a consistência de botas pisando
Contra a humanidade dos homens.
Traz seus mistérios ciganos,
Revolve na campa a solidão dos amantes
E voa - borboleta frágil de fendidas asas ...

Poesia, Senhora Sylvia Plath,
É um dente que dói em constantes fisgadas,
Rasga o olho em cortante machado
E perfura o peito em preterimentos sem fim.
A poesia corta pulso, quebra sonhos,
Tritura almas e perfura a vida que se despede com razão...

Poesia, Ó Poetas que eu escolhi,
É a minha ousadia que agora expele,
Por meio de um poema frágil,
Sensações que precisam ser reveladas.
Poesia é, bem sabemos,
O silêncio barulhento que irrompe
E nos preenche deslibertadamente
Como se não pudéssemos ser livres
Do cárcere que ela nos impõe...

Poetas, eu sei
Eu sei o que é poesia:
É a angústia hiperbólica,
A mortandade não sombria,
A percepção melancólica,
A noite que engole o dia,
A sensação eufórica,
A dor no auge da alegria,
A necessidade simbólica
De compartilhar a vida!

Eu sei - que pretensão! - o que é poesia:
E nela me encontro
E sem ela o que eu seria?


Émerson Cardoso 
 (20/02/07 - 05/02/14)




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