segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

PARA EDITH PIAF UM SONETO SIMPLÓRIO (Ao som de "Tu es partout")



Je t'aime, grande chanteuse du monde!
Quanta expressividade!  Quanto ardor!
Um diamante vivo tua voz esconde:
Dores perpétuas advindas do amor!

Je t'aime, grande chanteuse du monde!
Dama intensa vestida de clamor
Tua voz é estrada que me leva aonde
Não resta, senão, tristeza e amargor!

Edith Piaf, cantora das horas tristes:
Ninguém traduziria o que explanas
Em tua voz, diva de furor eólico!

Quem poderia superá-la, Edith? 
Alguém pode chamar-te “doidivanas”
Para mim, és pássaro melancólico!

Émerson Cardoso
(23/10/09)




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

ELEGIA PARA CLARICE LISPECTOR


Convidei Clarice Lispector
A fazer-me uma visita
Ela sugeriu que, na ocasião do encontro,
Tomássemos café e fumássemos um pouco.
“Mas eu não fumo, Clarice, e prefiro chá!” – Ousei.
“Como pode uma existência se consolidar
Sem o desvão de um trago e sem, com café, a língua queimar?”

Anéis de fumaça
Devassarão cada cômodo...

A esperarei logo mais à noite:
Temos muitos assuntos de morte e vida a debater...

Se, por acaso, após o silêncio
Eu, em cinzas, me esboroar

Foi porque por influência dela
Aprendi a fumar...

Émerson Cardoso

(10/12/13)


(Poema selecionado para a 3ª Mostra de Poesia "Abril para Leitura", do Centro Cultural Banco do Nordeste - Cariri, em 2014) 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

DO ADEUS E SEUS CREPÚSCULOS


Do alto de um prédio
Teu corpo tombou

Crepúsculo intenso
Ferindo o infinito

Aves assombradas 
Depressa fugiram

O tráfego insone
Cessou a jornada

Teu corpo quebrou
No chão como vidro

Vozes se calaram
Olhares perplexos

Dizendo-me adeus
Zombaste de mim

Quando em desespero
Tentei segurar-te

Loucura no riso
Morbidez no olhar

Um grito medonho
Sem tréguas lancei

O mundo em silêncio
Chorou minha perda

No céu arrebol
No peito incerteza

Tristezas e sombras
Despiram-me a vida

Tentei resguardar-te
A força não tive

Caindo teu corpo
Ao chão foi o meu

Dois corpos reunidos
Imersos no adeus...

Émerson Cardoso 
(05/12/13)

domingo, 24 de novembro de 2013

AMAS?


Fizeram-me a pergunta:
Amas?
Respondi, seguro de mim:
Não.
E digo não porque não encontro
A rima de mim...

Novamente alguém pergunta:
Não!
Sim, digo não! Mas não o não que é sim
(O comum da negação sem cor),
Mas sim o não de um sim soturno
Sim de noiva plangente
Que se entrega no altar em luto
Tendo no peito um outro Amor.

Não, digo um não melhor que um sim,
Que se mostra na boca fechada em dor...
Digo não e não e não, enfim,
Porque digo não e não e não
Para o amor em mim...

Jardim, marfim, jasmim,
A resposta é, portanto:

Não!

Émerson Cardoso
(00/00/07)

FRAGMENTOS E PULSOS


Palavras são lâminas
Que quebram pulsos

Rasgam ossos
Perfuram músculos...

Palavras são farpas
Que fustigam pele

Perfuram olhos
Frias serpentes...

Palavras são grilhões
Que ferem mãos e pés

Arrancam sangue
Mastigam ombros...

Palavras dentadas
Comem carne corpo

Vermes eficientes são
E ácido veneno fogo...

Dou minha palavra que são!


Émerson Cardoso
(24/11/13)



quinta-feira, 14 de novembro de 2013

ORAÇÃO DOS QUE TÊM MEDO



Deus Possível,
Olhe por mim nesta hora em fráguas,
Pois o silêncio é meu grito agora
Deveras sórdida me parece a vida...

Devo dizer, Senhor Possível,
Que os meus braços chorosos riem
Em desespero como guerreiros frágeis
Batalhas já não suportam mais...

Meus pés rasguei em pontiagudas pedras
Para arrefecer me convida a luta
Não me permita verter sangue em vão
Chagas abertas fechem do meu medo as portas...

Não me permita, Possível Senhor,
Que eu desista por pressentir a sombra
Do inimigo que me vê no espelho
E trama cárceres contra a minha honra...

Se eu repousar num amanhã sem sol
Segure firme minhas mãos, Senhor,
Que eu na guerra de pé sempre esteja
Mesmo que roto aos abismos desça...

Queira me ouvir nesta hora em dor
Que os meus olhos recomecem fortes
E minhas mãos firam os temores
Desta desdita de aparência infinda...

E quando na desesperança eterna
Amargurada minh'alma gritar
Que eu me erga com a pele em cinza
E recomece uma nova batalha!




Émerson Cardoso
(09/10/13)

domingo, 27 de outubro de 2013

DESENCONTRO



Olhei pela janela e vi:
Eu passava olhando para mim mesmo em silêncio...

Eu, da janela, olhei para mim
Eu, com passos de quem se perdeu, me olhei...

Olhares encontrados:
Eu, em mim, os olhos fixei...

Que efeito estranho ver-me de tal modo
À janela e a andar!
Eu era eu mesmo em dois extremos:
Cada gesto meu eu percebia
Cada olhar perscrutador, por mim lançado, eu identificava
E andei às pressas...

Como meus olhos andaram revoltos,
Será que eu esperaria por mim se da janela eu gritasse?
Se da rua meus olhos pedissem, será que da janela eu desceria?

Fui embora pelas ruas
Da janela, saí silente
Olhei o vazio
Pisei no vazio
E, para sempre, desfiz as possibilidades do amor...

...porque eu amaria a mim com intenso ardor!

Mas sequer tive coragem de, ao olhar, dizer, para mim mesmo,
Que meu coração sangue bombeava...

Numa esquina dobrei
Um novo cômodo, em casa, percorri
E a vida amargou em profusão

Eu teria, comigo mesmo, vivido uma história plena
Mas de desencontros se fez minha alma
E, sempre em silêncio, me vesti de solidão.

Émerson Cardoso
(16/03/10)




BALADA CONTRADITÓRIA


Em noite alta
Palavras vêm,
Mas falta algo
(Será alguém?)

Noite estrelada
Palavras vão.
Não falta nada
(Ninguém, ninguém...)

Que poesia 
Pode existir
Se ela vem
Depois se oculta?

O meu lirismo:
Canção tristonha
Que chora sempre
Ninguém escuta...

Noite tão alta
Palavras vêm,
Mas falta algo
Será alguém?

Ninguém, ninguém
Sozinha a vida
Parece festa 
De mil canções

Canções ferozes
Que lembram morte,
Solidão, dor, 
Melancolias...

Aonde ir?
Onde estará?
Quero palavras
Para cantar

Sem a palavra 
Que tanto busco
Há poesia? 
Acho que não...

Melhor assim
Querer alguém
Ninguém, ninguém
E solidão...

Ó Noite alta,
Onde a palavra
Que tanto busco
Que não me vem?

Ninguém me escute 
(Alguém, alguém!)
Falta-me algo
          Falta ninguém...          

Émerson Cardoso
(17/12/09 - 26/10/13)







sexta-feira, 25 de outubro de 2013

ODE AO FILOPOETA


De fixos olhos como que assombrado
Os deslimites da vida recria
No incerto da palavra fugidia
Tem, em silêncio, o mundo contemplado...

É um privilégio tê-lo encontrado
Neste século de melancolias...
Sua presença neste mundo me amplia
Conforto e paz em domingos nublados...

Seus fixos olhos vieram profundos
Quando ultimava certo mês de outubro
E tocaram, ávidos, a existência...

De percepções amplas gira seu mundo
Suas sóbrias loucuras sempre vislumbro
Como se visse a mim mesmo em essência...
Émerson Cardoso
(Para N. J., em outubro de 2013)

domingo, 29 de setembro de 2013

SUBTERFÚGIO PARA VIVER



Tenho um método para sobreviver:
Busco a leveza dos puros...

Quando meus olhos dançam
Numa metáfora em cinza
O dia parece mais leve
Como se nublações, finalmente,  
Despissem o manto que me reveste...

Tenho um modo para sobreviver:
Busco a leveza dos puros...

Uma janela atira sobre mim
Um sol obscuro quase feliz,
Mas odeio o feliz que é somente quase...
Certo da queda que me devassa
Rio de mim mesmo enquanto meu corpo cai...

Tenho um subterfúgio para sobreviver:
Busco a leveza que só o abismo na queda pode me dar!

Émerson Cardoso
(29/09/13)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A ARTE DE SER LEVE


Leveza é dom distribuído
Com avareza por quem nos inventou
Por isto, quem a possui na face
Ou na abertura das mãos
Deve sentir-se privilegiado...

Não deve orgulhar-se deste dom
Quem o possui:
Orgulho não consta
Em humanos de leveza em profusão...

Leveza, dentre outras grandezas,
Encontra seu jeito de se mostrar
Sem que o portador a ostente
Ou precise ocultá-la...

Leveza passeia em almas
Sempre profundas: 
Caminhos estreitos alargam-se 
Para que estas almas possam passar...

Talvez ainda se consiga
Alcançar a nobreza desse dom
Os que, do seu inventor, não o receberam,
Mas há, sabe-se, tanta exigência:

Tolerância sem angústia,
Conhecimento sem arrogância,
Simplicidade sem subserviência,
Ausência de mágoas, de incompreensões, de orgulho...

... e de outras marcas soturnas
Que podem transtornar a alma.

Leveza é fardo de vento e riso
Asas etéreas canções dulcíssimas vento na face
Árvores dançantes agasalho sereno e paz

Leveza é tão mais-mais
Que faz a gente rir até em tardes amarelas de domingo!

Émerson Cardoso
(Em João Pessoa - PB, em 15/09/13)








segunda-feira, 9 de setembro de 2013

ELEGIA A FEDERICO GARCÍA LORCA



Choram janelas semiabertas
Plantas purpúreas choram
Sombras das árvores fremem
Choram nuvens alterosas

Teus pés dolentes choram
Choram flores repisadas
Sussurra o vento e chora
Por tuas mãos aprisionadas

Logo à frente a morte
Passeio último que assombra
Teu sangue um verso pressente
Chora por ti a Espanha 

Que metáforas desenham
Teus olhos vendados?
Imagens poéticas te vêm
Quando te assombra a lua?

Uma velha cigana corre
Segura-te no colo e chora
Cavalos austeros galopam 
Gemendo por tuas fráguas

Mas o destino te fustiga:
Perecerá teu corpo inocente!
A cigana velha grita
Vermelho vestido ao vento

O passeio prossegue:
Coração confrangido
Pedregulhos pisados
Amortalhado silêncio...

Canções ciganas ecoam
Janelas teu corpo espreitam
A Espanha lamenta
A Andaluzia um filho perde...

Palavras aprisionadas
Penetram em pesadas armas
Prateado grito produzindo farpas
Preparadas apontadas palavras

Por fogo perpassada
A alma sentida sozinha cala
Despe a solidão o tempo insano
Em que vala teu corpo reinará?

A Espanha é uma Pietá desesperada
Caronte o aceita de abertos braços
E a velha cigana grita e geme
Correndo enlouquecida

Janelas flores nuvens
Pedregulhos sombras mágoas
Cavalos armas murmúrios
Prisões sepulcros mortalhas 

Teu corpo tombou pungido
Avermelhando de poesia a terra
Mártir andaluz, morremos todos:
Teu coração é nossa sepultura!

Émerson Cardoso
(02/09/13)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

SONETO DE QUEM ESPERA ESPERANTEMENTE


À espera... Que pensamentos tenho!
Guardo um frio estranho que me perpassa
Vil nublação numa janela obtenho:
Que este aspecto lúgubre se desfaça!

Cresce o silêncio em minha casa fria
Um mausoléu de eterna solidão
Por que tão triste a vida se faria
Nos átrios de ânsias do coração?

Espera... Que sensação angustiante!
É espasmo de sentida violência
Como um grito de loucura ocultar

Espera... Sensação dilacerante!
Presença que se faz maior na ausência
Imagem de quem chega sem estar...

Émerson Cardoso
(04/01/07)

(Poema apresentado e publicado por ocasião da I Mostra de Poesia "Abril para Leitura", do CCBNB - Cariri, em 2011)

domingo, 11 de agosto de 2013

BARCO EM FUGA



Ao longe um barco
Feria as águas
Comigo dentro.

Não pude compreender:
Como eu poderia estar
Naquele barco e aqui ao longe?

Deslizante barco
Nas oscilantes águas
Vai deslizando.

Comovido com minha ida
Acenei para mim mesmo
Com pressas de vento. 

E como numa fuga planejada
Eu por entre as águas
Meus olhos vendo...

Cinzentas lágrimas
Atormentadas
Com mil lamentos.

O barco foi mais forte
Sequer olhou
Para mim ao longe.

E eu descia,
Como quem sorria,
Para austeras sombras.

No barco resguardado,
Silenciei depressa
Sem qualquer pesar.

O barco insone
Feria as águas
Buscando distâncias. 

E eu caí do chão
Para o silêncio mórbido
De quem na cova entra.

Vertendo olhos,
Sobre as águas vãs
Realizando fuga...

Eu e Eu fugimos:
Cá na terra a culpa,
Nas águas, adeus!

Émerson Cardoso
(12/10/07)



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

DIMANCHE DE CAMOMILLE (ou: o porquê do título)

O título deste blog foi retirado da letra da canção "La Bastille", de Alex Beaupain, que aparece numa das cenas mais líricas do drama musical francês "Les chansons d'amour" (2007), de Christophe Honoré. O termo, que traduzido para o português seria "Domingo de camomila", alude à cor mais que amarelecida, mórbida, angustiante do domingo que ora metaforizo por meio da imagem da Matricaria recutita ou, simplesmente, camomila. Tudo pode estar vinculado a uma visão bem pessoal, obviamente, mas é assim que sinto o domingo à tarde: há o odor de velharias, a coloração em ânsias de morte e o amargor austero que inflama a boca. O domingo à tarde é (tenho dito) um gole de efervescente chá de camomila. As flores desta planta medicinal ornam com amargor as horas dominicais e assombram o silêncio das almas solitárias. Quanta calmaria proporciona a quem tanto deseja externar um grito?




O CHÁ

I

Sentada, com sombrios cílios,
E o corpo colado ao espaldar da cadeira,
A Solidão arruma o vestido cinza
Enquanto me olha com tranquilidade...

No mundo, resquícios de um domingo à tarde.


II

As lâminas do silêncio
Fustigam minha pele-frágua, 
A Solidão, intensa, despe-se em palavras
E sombras que sorvo em gole rápido...

O medo tem humor sádico.


III

De repente, a Solidão faz ar de riso
Com ossos do rosto à mostra
E aspereza cadenciando o gesto:
Eu, silêncio e náusea, envolto em dominicais mistérios...

Mergulho em goles de chá que me afogam em rios de tédio. 



 Émerson Cardoso 
(10/12/11)